
No Rio Grande do Norte, o Pix já faz parte do dia a dia da maioria da população. Em 2024, 63,8% dos moradores do estado fizeram ao menos uma transação por mês usando o sistema — o maior índice do Nordeste e acima da média nacional, que é de 63%, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Com uma economia movimentada principalmente pelo comércio e pelos serviços, os potiguares utilizam o Pix, em média, 36 vezes por mês — uma das maiores frequências do país, superando até São Paulo, onde a média é de 29.
Para o economista Helder Cavalcanti, conselheiro do Conselho Regional de Economia (Corecon-RN), o sucesso do Pix se deve à sua capacidade de atender à urgência da vida moderna. “O Pix chegou quebrando todos os paradigmas, criando aí uma facilidade imediata da segurança, liquidez e gratuidade. Ele é um instrumento que caiu no gosto da população”, afirma. Segundo ele, o modelo econômico do RN, fortemente apoiado no setor de serviços e no turismo, potencializou o uso dessa tecnologia. “Há um giro do dinheiro muito rápido. É uma lanchonete, uma barbearia, um salão de beleza. Tudo isso acontece de forma instantânea, e o Pix é um instrumento fácil”, acrescenta.
A pesquisa “Geografia do Pix”, do Centro de Estudos de Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV, utilizou dados do Banco Central e do Censo do IBGE para traçar um mapa completo do uso do sistema em 2024. O Rio Grande do Norte aparece com a maior adesão do Nordeste, com 63,8%, à frente de Pernambuco (60,56%) e Ceará (59,66%). Além de adesão e frequência, o estudo mensurou o valor médio das transações por estado. No RN, o valor médio é de R$ 146,26 – abaixo dos R$ 190,57 da média nacional – o que revela um uso intenso para despesas corriqueiras e de baixo valor.
“O valor das transações no RN é relativamente baixo. Isso indica, de fato, um uso mais cotidiano e para despesas menores”, explica Helder Cavalcanti. Ele destaca que em Natal o comércio se deslocou para áreas periféricas e mais populosas, onde o Pix é intensamente utilizado. “Eu vou ao supermercado, tomo café, ajeito a barba. Tudo isso são serviços que fazem o dinheiro girar, embora sejam valores menores”, pondera. Ainda segundo o economista, o Pix também tem papel relevante na inclusão financeira. “Ele é dinâmico, ágil, grátis e acessível a qualquer pessoa que tenha um celular. É um instrumento de inclusão social”, pontua.
No comércio, os impactos da popularização do Pix são evidentes. O presidente da Federação do Comércio do RN (Fecomércio), Marcelo Queiroz, avalia que a tecnologia trouxe ganhos operacionais e agilidade para os lojistas. “Do ponto de vista do comércio, é muito positivo, isso por dois motivos: primeiro, que reduz a necessidade de recorrer a empréstimos de capital de giro para rodar seu negócio; segundo, porque o comerciante pode economizar nas taxas de operação, que são isentas ou inferiores à dos cartões de crédito ou débito”, analisa.
No bairro da Cidade Alta, o empresário de uma loja de produtos têxteis, Igor Brito, afirma que o Pix representa hoje mais de 30% do faturamento. Ele destaca que, inicialmente, a ferramenta foi adotada como alternativa de pagamento, mas logo se mostrou vantajosa também para o negócio. “Facilita muito o trabalho do caixa. O banco já faz a conciliação automática, então não precisa ficar conferindo Pix a Pix”, relatou.
Na loja de Igor Brito, hoje é oferecido um desconto de 5% para pagamentos à vista, incluindo o Pix. Ele acrescenta que o sistema também trouxe mais segurança, ao reduzir o manuseio de dinheiro em espécie. Mesmo assim, o empresário garante que ainda costuma manter troco no caixa para qualquer necessidade.
A adoção da tecnologia também teve efeito sobre o comportamento dos consumidores. Sônia Andrade, 72, afirma que demorou a aderir ao Pix por receio de segurança, mas hoje usa com frequência. “Quando chega aquela novidade a gente sempre fica com um pouquinho de medo, mas agora eu faço bastante [Pix]. É muito prático”, disse. Mesmo sem saber a quantidade de transações mensais que realiza, ela aponta que prefere o Pix não por descontos, mas pela comodidade no dia a dia.
Para o presidente da Fecomércio RN, o Pix está consolidado como ferramenta popular, inclusive entre os micro e pequenos negócios. “A barreira de entrada ao Pix é zero e sem custos, podendo ser operacionalizado diretamente pelo comerciante. Por isso, sua difusão foi rápida entre comerciantes e consumidores e hoje já se tornou o principal meio de pagamento da população brasileira”, avalia Marcelo Queiroz.
Planejamento financeiro
A frequência elevada no uso do Pix no RN reflete uma incorporação cultural à rotina financeira, especialmente entre os jovens. Yuri Santos, 26, é um exemplo disso. “Hoje eu recebo em Pix e pago em Pix. Comecei a usar com mais frequência de um ano pra cá e, desde então, dificilmente faço uso de outras formas de pagamento”, relata. Para ele, o sistema aumentou a confiança nas transações. “Já sofri um golpe com DOC, porque a pessoa alegou que não tinha recebido. Com o Pix, o dinheiro cai na hora. É uma grande facilidade”, avalia.
Anteriormente, quem desejasse realizar uma transferência bancária para conta de outra instituição financeira precisaria utilizar o Documento de Ordem de Crédito (DOC), que era compensado apenas no dia útil seguinte ao da transação. Com a chegada do Pix e a facilidade do pagamento, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) descontinuou completamente essa operação em 2024.
Mesmo com os benefícios, especialistas alertam para os riscos de uso indiscriminado do Pix, sobretudo do ponto de vista do planejamento financeiro. A velocidade e praticidade do sistema podem dar a falsa sensação de que o dinheiro “não sai da conta”, levando ao endividamento, especialmente entre quem não tem controle orçamentário.
Para o economista Helder Cavalcanti, é preciso cuidado para que a praticidade do Pix não se transforme em armadilha. “A facilidade incentiva muito o consumo. É necessário que as pessoas tenham essa consciência. O que é que eu posso gastar, não é o que eu quero gastar”, afirma.
Na prática, Helder recomenda um planejamento simples, mas eficaz: limitar os gastos mensais a 80% da renda líquida e dividir os 20% restantes entre uma reserva de emergência e uma poupança de longo prazo. “Se você ganhar R$ 1.000, você tem que ter o seu orçamento em 800, gastar somente 80% da sua receita. Os outros 20% é uma reserva financeira que você tem que fazer para uma necessidade imediata e para o futuro. A sociedade atual vai passar dos 100 anos. Como é que eu vou me garantir nesse final de vida? Preciso me preparar desde já”, aconselha.
O especialista também sugere o uso do Pix como uma estratégia para evitar dívidas com o cartão de crédito, desde que o usuário tenha domínio sobre o próprio orçamento. Pagamentos de pequenas compras, como lanches ou serviços do dia a dia, podem ser feitos via Pix, evitando o acúmulo de parcelas e juros no cartão. Mas tudo depende de planejamento. Segundo ele, gastar mais do que se ganha é um hábito ainda presente na cultura de consumo brasileira, muitas vezes estimulado por um marketing agressivo inserido no cotidiano. Para isso, a disciplina financeira deve começar com perguntas básicas como: “Eu posso? Eu devo? Eu necessito?”
Segurança
A segurança digital também é uma preocupação que acompanha o crescimento do Pix. Embora o sistema seja seguro e os bancos adotem políticas de proteção, o economista defende que o usuário precisa fazer sua parte. “Mande sua chave, veja se é em nome de quem. Isso é importante para você conferir para onde está indo o valor. E até mesmo o processo de QR Code ajuda nisso. Sempre guardar algum comprovante é essencial”, orienta Helder.
Um golpe recente que vem se tornando comum é o da “devolução Pix”, em que o golpista faz uma transferência para a vítima e, fingindo ter enviado o valor por engano, convence-a a devolver o dinheiro para uma conta diferente. Em seguida, aciona o mecanismo de estorno do sistema, alegando fraude, e recebe o valor de volta, ficando com o dobro. Para se proteger, as instituições financeiras recomendam que o usuário nunca devolva manualmente valores recebidos por engano e sim utilize sempre a função de devolução disponível no aplicativo do seu banco.
Os dados do Banco Central revelam que, em dezembro de 2024, 76,4% da população usou o Pix para realizar pagamentos, um crescimento expressivo em relação aos 46,1% registrados em 2021. O uso do dinheiro caiu de 83,6% para 68,9% no mesmo comparativo, enquanto o cartão de crédito cresceu de 44,5% para 51,6%, e o cartão de débito de 61,7% para 69,1%. Mais de 150 milhões de pessoas físicas já realizaram pelo menos uma transação de pagamento utilizando o Pix.