Potiguares têm encontrado dificuldades para ter acesso ao Auxílio Brasil. No País, demanda tem sido maior que a oferta
A fila para receber o Auxílio Brasil tem crescido em todo o País e
também no Estado. O RN tem 445.458 famílias ativas no Auxílio Brasil e
504.941 famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza. Portanto,
59.483 grupos estão de fora do guarda-chuva assistencial do governo.
Destes, 30.595 famílias estão na fila, o que representa 52 mil pessoas, e
28.888 famílias não se encaixam nos critérios. Quem está na fila ainda
não tem perspectiva de quando será beneficiado. É o caso de Viviane
Silva, de 20 anos, que é mãe de uma criança de 6 anos. Ela recebeu a
última parcela do Auxílio Emergencial em outubro de 2021, mas não
conseguiu renovação.
“Desde então a gente não conseguiu mais, dizem que é tudo pelo
aplicativo, mas só aparece que está indisponível. Faz tempo que a gente
tenta resolver e nada. Fui até lá, mas disseram que não resolve, deram
um número para ligar, mas não funciona. E o aplicativo nada também.”,
conta ela, que conta com doações e ajuda de amigos e parentes para se
alimentar.
Há também quem está na extrema
pobreza, mas, em tese, não atende aos critérios do Auxílio Brasil.
Mônica Câmara, 51 anos, não tem filhos e diz que teve sua inscrição
recusada no programa de transferência de renda. “Estou morando de favor e
vivendo de esmolas, eu preciso muito disso. Me disseram que tinha que
fazer pelo celular, mas como? Eu não tenho celular, não tenho ninguém
que possa fazer isso pra mim. Eu só recebi aquele emergencial. Não sei
mais o que fazer porque estou passando necessidade, eu preciso muito
desse auxílio”, relata a moradora do Alecrim.
O
critério básico para receber o Auxílio Brasil é estar na faixa da
pobreza ou extrema pobreza. Além disso, é necessário preencher pelo
menos um dos requisitos específicos, como ter criança ou adolescente de 0
a 17 anos na família; jovem (18 a 21 anos) matriculado na educação
básica; gestantes ou nutrizes.
Para o
economista Cassiano Trovão, o número elevado de famílias que estão na
fila de espera ou que não estão aptas a receber o benefício representa
um forte indicativo de que as políticas de proteção social precisam ser
ampliadas. “A gente precisaria ter avançado na proteção social e a
pandemia deixou isso muito evidente. A gente tem uma fila de espera para
entrar no programa e que não vai diminuir agora porque não tem nada
prevendo isso, não tem orçamento previsto, não tem política prevista,
não nenhum programa de busca ativa”, comenta.
Os
municípios de todo o País contabilizam uma demanda reprimida de 2,78
milhões de famílias para ter acesso ao Auxílio Brasil, programa social
do governo Jair Bolsonaro. São 5,3 milhões de pessoas que têm o perfil
para receber o benefício e estavam na fila em abril, de acordo com a
Confederação Nacional de Municípios (CNM).
A
velocidade do crescimento da demanda reprimida vem surpreendendo e
preocupando os prefeitos, que na ponta sentem as cobranças da população
na esteira do aumento da pobreza nas suas localidades. É nos municípios
que as famílias fazem o cadastramento ao programa no Centro de
Referência da Assistência Social (Cras) para ter acesso à rede de
proteção social do País
O mapeamento da CNM está sendo
divulgado 10 dias após a publicação do resultado do 2.º Inquérito
Nacional sobre Insegurança Alimentar, que mostrou que a fome no Brasil
voltou a patamares registrados pela última vez nos anos 1990. Atualmente
33,1 milhões de pessoas não têm o que comer no País, 14 milhões a mais
do que no ano passado.
Enquanto as prefeituras
alertam para a necessidade de reforçar o programa, especialistas
defendem uma mobilização para enfrentar o aumento da fome. Eles apontam
falhas no desenho dos benefícios do Auxílio Brasil e chamam atenção para
a necessidade de direcionar recursos ao Alimenta Brasil, programa de
aquisição de alimentos de agricultores familiares e doação para
famílias.
População pressiona prefeituras por auxílio
O
presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, diz que faltam dados amplos sobre o
problema por causa da conjuntura eleitoral. "Dentro do possível eles
vão escondendo, mas nós na ponta podemos levantar e mostrar", diz. "E
vai piorar ainda mais até a eleição", prevê. Segundo ele, o quadro
preocupa porque a fila, que tinha diminuído no início do ano, já voltou
ao patamar anterior. O problema estoura nas prefeituras, reclama o
presidente da entidade, que reúne prefeituras de todo o País. De acordo
com Ziulkoski, as escolas municipais acabam se transformando em refúgio
para as crianças que chegam com fome e precisam de reforço alimentar
antes das aulas.
Pelos dados
da CNM, entre março e abril, a demanda reprimida subiu em velocidade que
se aproxima dos dados apurados antes da migração do programa Bolsa
Família, extinto no ano passado, para o Auxílio Brasil, que era de 3,1
milhões de famílias. De um mês para o outro, houve um aumento real de
mais de 1,480 milhão de famílias à espera do benefício.
Ou
seja, a fila mais que dobra em apenas um mês, um crescimento de 116%.
Salta de 1,307 milhões de famílias (2,1 milhões de pessoas) para 2,788
milhões de famílias (5,3 milhões de pessoas), faltando pouco mais de 401
mil famílias para se atingir o patamar anterior à transição dos
programas.
As mudanças no
desenho do programa têm contribuído para acentuar os problemas. Entre
elas, a decisão de garantir um benefício mínimo de R$ 400 por mês para
cada família. Essa regra tem feito com que um beneficiário que mora
sozinho acabe recebendo o mesmo valor que uma mãe com dois filhos
pequenos. Esse modelo funciona, na prática, como um incentivo para
pessoas que moram juntas se cadastrem como se morassem separadas,
recebendo R$ 800. Esse quadro pode acabar deixando de fora do programa
famílias que mais precisam.
"Além
do desenho nada equitativo, o piso de R$ 400 gera incentivos para que
pessoas que moram juntas se cadastrem separadamente. É uma espécie de
desmembramento de famílias, que prejudica enormemente a qualidade dos
dados do Cadastro Único e, com isso, sua capacidade de direcionar as
políticas públicas à população mais vulnerável", diz Leticia Bartholo,
socióloga e especialista em políticas públicas e gestão governamental. É
ex-secretária nacional adjunta de Renda de Cidadania.
O
prefeito de Picuí, cidade da Paraíba localizada no sertão do Seridó,
Olivânio Dantas Remígio, avalia que com a criação do Auxílio Brasil
perde-se o que ele chama de "princípio da territorialidade". "Nós
tínhamos um mapeamento da pobreza no município. Sabíamos direitinho onde
estavam as famílias com maior grau de vulnerabilidade social", relata.
"Ficou difícil para o município ter um marco de acompanhamento sem ter
informação concreta."
O
prefeito paraibano cita outro problema colateral: o aumento da demanda
por auxílios eventuais, como cesta básica, aluguel social e auxílio
energia. Remígio conta que o cadastramento continua sendo feito pelo
Cras, porém, os condicionantes para o acompanhamento das famílias não
são mais cobrados, como, por exemplo, vacinação de crianças, peso e
avaliação se estão se alimentando bem. "Essa rede de saúde, assistência
social e educação, fica quebrada", alerta.
O
estudo aponta que a previsão orçamentária para o Auxílio Brasil deste
ano não é mais suficiente para zerar a fila. O orçamento previsto é de
R$ 89 bilhões.
Em 2021, dados
obtidos via consulta pública e coletados pela CNM mostravam mais de 25
milhões de famílias registradas no Cadastro Único, o correspondente a
cerca de 75 milhões de pessoas. Já em 2022, o número cresce e passa dos
33 milhões de famílias ou 83 milhões de pessoas. É um pouco mais de 38%
da população (de 215 milhões de habitantes em 2021) recorrendo aos
programas oficiais de assistência social.
No
final de 2021, o governo teve de correr para incluir oito famílias na
lista da Inclusão Produtiva Rural, benefício adicional do programa
Auxílio Brasil. Se não fizesse o pagamento, o novo benefício não poderia
ser pago.
Tribuna do Norte
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