
O Rio Grande do Norte é o pior estado do Brasil em termos de política de alfabetização. Segundo dados do Ministério da Educação, dos 167 municípios, apenas 14 apresentam uma política própria de alfabetização. Além disso, o RN é uma das 10 unidades federativas do País que não implementaram uma política independente com essa finalidade. Dentre os 26 estados e o Distrito Federal, os números do RN apontam para o cenário mais negativo. Na avaliação de especialistas, a ausência dessa política impede o desenvolvimento escolar e o combate às desigualdades educacionais.
Os dados são do Ministério da Educação
(MEC) e resultam de diagnóstico realizado dentro do Compromisso
Nacional Criança Alfabetizada que visa, dentre outros pontos,
implementar políticas de alfabetização territorial em todo o País. No
RN, apenas 8% dos municípios formularam uma política de alfabetização.
Foi o pior índice do País, de acordo com os dados do MEC. Estados
nordestinos, como Sergipe, têm um índice três vezes maior que o RN. Além
disso, 63% dos governos estaduais formularam as suas políticas. O RN
não está entre eles. Na
avaliação da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime/RN), há
chances dos números do Estado serem ainda menores, uma vez que algumas
cidades podem ter se equivocado na resposta ao levantamento. A
professora Lilia Asuca, do Departamento de Administração Pública e
Gestão Social da UFRN e uma das organizadoras da pesquisa “Diagnóstico
das Desigualdades Educacionais no Rio Grande do Norte”, esclarece que
dois fatores primordiais podem explicar as dificuldades para
implementação dessas políticas: a limitação na capacidade
técnico-financeira das cidades, aliada à ausência de uma coordenação
estadual junto aos municípios. “Se hoje temos no Estado um Ideb bastante
aquém do que se espera em termos de alcance das metas e média é porque
estamos falando de uma realidade em que é preciso muito mais atenção do
que foi ofertado até hoje em termos de participação estadual”, aponta.
Uma perspectiva semelhante é partilhada pela presidente da Undime-RN,
Joária de Araújo Vieira, para quem a compreensão da educação básica como
responsabilidade apenas dos municípios, somada à falta de uma
articulação territoral, podem esclarecer parte dos entraves na
implementação de políticas próprias de alfabetização. “Não é que não
existam ações da educação infantil, mas não tinha essa articulação de
realizar em todo o território. Acredito que com base nos resultados que
vieram depois no ensino fundamental e médio, veio essa preocupação de
ter investimentos desde a base”, ressalta.
Em resposta à TRIBUNA DO NORTE sobre as dificuldades em olhar as
políticas próprias de alfabetização, a Secretaria de Educação do Estado
(Seec/RN) informou estar executando a Política de Superação do
Analfabetismo do RN e atuando junto à Undime no Compromisso Nacional.“O
RN possui a PSA como política própria. Por uma questão constitucional, a
etapa da alfabetização de crianças compete aos municípios e o Estado
cuida do público que não teve acesso à alfabetização com idade escolar
entre jovens e adultos”, afirma.
Para Lilia Asuca, a ausência de uma política independente no Rio
Grande do Norte ocorre, dentre outros pontos, devido ao olhar que
historicamente compreende as redes municipais e estaduais de maneira
fragmentada. A docente adverte, ainda, que a educação é uma área
complexa e outras problemáticas corroboram para a situação atual. Entre
elas, está a ausência de uma problematização do tema na sociedade e
prioridade política para combater o analfabetismo enquanto um ‘problema
público’. Isso porque, segundo ela, os dados já mostram que o cenário é
negativo e há casos em que crianças chegam aos 10 anos sem saber
escrever palavras simples, situação ainda mais intensificada
pós-pandemia.
O resultado disso, destaca Lilia Asuca, é a formação de uma sociedade
sem novas perspectivas. “No ensino médio, por exemplo, se fala muito
sobre o ensino técnico. Acredito que são temáticas importantes, mas se
tem algo que precisamos eleger como início de tudo é o processo de
alfabetização. Se você não tem uma sociedade em que as crianças
frequentam a escola, mas saem dela analfabetos, estamos falando de uma
sociedade sem muita perspectiva no futuro”, complementa.
Além de ser um ponto essencial na base educacional dos alunos, a
alfabetização é a etapa mais crucial de combate à desigualdade
educacional. Segundo ela, somado ao consenso entre os educadores,
estudos científicos também mostram que a primeira infância (0-6 anos) e
os anos iniciais correspondem à etapa em que o cérebro tem maior
desenvolvimento cognitivo. As redes de educação, nesse sentido, precisam
fornecer as condições necessárias à alfabetização dos alunos.
O
ideal, segundo o MEC, é que as crianças tenham essas características ao
terminar o segundo ano do fundamental. Em muitos casos, no entanto,
esse processo é suprimido, seja pela situação socioeconômica dos
estudantes, dos municípios, ou pelas dificuldades associadas à questão
étinco-racial. Para Lilia Asuca, nesse sentido, as políticas próprias
de alfabetização precisam melhorar as condições dos professores com
formações continuadas e fomentar maiores investimentos em materiais
pedagógicos para o corpo discente.
“Não é apenas focar no 1º e 2º ano do fundamental. Tem que começar na
educação infantil mesmo não sabendo ler ou escrever ainda, ela tem que
ter oportunidade de ler, analisar histórias, que é uma etapa essencial
de preparação para a alfabetização”, defende. Embora o entendimento
sobre quais aspectos apontam para uma pessoa alfabetizada seja variável,
a gestão atual do MEC compreende que pode ser considerada alfabetizada a
criança que consegue escrever pequenas frases capazes e comunicar a
informação desejada.
Dados e construção de políticas no RN
Segundo
Joária de Araújo Vieira, ainda que o Plano Nacional de Educação e os
planos municipais tenham como meta o atendimento dos alunos a partir de 0
anos de idade, existe uma ausência de estrutura nas cidades e nas
próprias legislações locais voltadas à educação infantil. Por conta
desses fatores, ao analisar os dados do MEC, ela aponta que a Undime
ficou surpresa com algumas colocações nas respostas ao diagnóstico. Isso
porque, em muitos casos, elas não refletem a realidade local.
O levantamento do MEC foi realizado com o objetivo de analisar a
demanda de cada território e, assim, apoiar estados e municípios na
elaboração do Plano de Ações do Território Estadual (PATe) e da Política
de Alfabetização do Território. As políticas próprias serão
incrementadas de modo a contemplar os cinco eixos do Compromisso
Nacional Criança Alfabetizada e, segundo a pasta, deverão estar
alinhadas às especificidades de cada território.
No Rio Grande do Norte, segundo a Undime-RN, 100% das cidades aderiram
ao compromisso visando garantir que todas as crianças estejam
alfabetizadas ao final do 2º ano do fundamental. Quantos aos municípios
que apresentam política própria, em resposta à TRIBUNA, o MEC informou
as 14 cidades responderam apresentar o documento, são elas: Antônio
Martins, Arês, Campo Redondo, Espírito Santo, Ipanguaçu, Japi, Lagoa de
Pedras, Lagoa Nova, Messias Targino, Nísia Floresta, São Fernando, São
Miguel, Senador Georgino Avelino e Serra Negra do Norte.
Simone
Cortez, assessora pedagógica da Undime-RN, avalia que algumas
secretarias de educação podem ter respondido ao levantamento do MEC com
base no documento curricular para educação infantil ou anos iniciais.
Segundo ela, ele integra uma das partes da política de alfabetização e
foi construído em colaboração com o Governo do Estado. “O Estado está
entre os estados que não possuem uma política instituída, mas está sendo
construída desde julho”, complementa.
No
dia 11 de setembro, o Governo do RN instituiu por meio do decreto nº
32.948, o Comitê Estratégico Estadual do Compromisso Nacional Criança
Alfabetizada com o objetivo de dar suporte à Seec na implementação da
política territorial de alfabetização. A ideia, conforme a assessora
pedagógica, é promover tanto a alfabetização na idade certa quanto
consolidar o processo de alfabetização.
Por
meio da escuta qualificada, as iniciativas das 14 cidades que afirmam
ter política independente serão avaliadas e posteriormente serão
buscadas formas de fortalecer os trabalhos que estão sendo realizados. A
expectativa é que a partir de 2024 os municípios iniciem o ano letivo
com as políticas próprias de alfabetização. Conforme aponta Joária, o
PATe com as necessidades orçamentárias dos municípios e a maneira como o
Estado pretende implementar a iniciativa foi enviado no dia 12 de
setembro. O próximo passo será organizar a sua política e de que forma
irá atender cada localidade.
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